terça-feira, 6 de agosto de 2013

1º CAPÍTULO DE "O QUE ME DISSERAM AS FLORES" :)

Olá pessoal! Quanto tempo, não é? Ando meio ocupada com a revisão do meu novo livro e para me redimir com vocês, vou presenteá-los com o primeiro capítulo de "O Que Me Disseram as Flores"  *-*  Espero que apreciem.

                                               



                             O Que Me Disseram as Flores

                                         1ª Parte

(...) “Homem, figura carregada de todos os motivos que levam as mulheres a odiá-los com a mesma intensidade em que os amam.”
                                                                 Livro o Pássaro – Samanta Holtz


Belo Parque – Santa Catarina – 1912
          
          O ar de enfado de Santiago tornara-se quase fixo em sua personalidade. Isso chegava a incomodar a seus pais, mas seu único e inseparável amigo Afonso Dantas tolerava sem problemas.
            Santiago Marques não tinha irmãos e naturalmente possuía singulares manhas de herdeiro exclusivo. O pai era um dos fazendeiros mais promissores da região e moravam num casarão a alguns quilômetros da cidade de Belo Parque. Cidade que ficava a Oeste do Estado de Santa Catarina. Seu desenvolvimento era visível a olho nu. A estrada de ferro tinha chegado até ela, havia bancos, indústrias se instalavam, e o Teatro Municipal recebia os melhores espetáculos.  
            A família Marques era respeitada por toda classe aristocrata do sul do Brasil. De certo, tanta importância transformou Santiago em um dos partidos mais disputados o que acabou por trazer à sua vida uma rotina enjoativa, no seu próprio conceito. Não comparecia à metade dos bailes a que era convidado, não se interessava em dançar com as mesmas moças que persuadiam em conquistá-lo e nem nas mesmas conversas sobre política e o tamanho das propriedades com os filhos dos ricos da cidade. Preferia ouvir Afonso, sempre engraçado mesmo quando repetia suas piadas várias vezes. Era mais velho que ele dois anos, tinha um ânimo invejável e se ouvisse um rumor sequer de festa era o primeiro a chegar ao local. Até aos bailes que não era convidado dava um jeito de comparecer.
            Ambos eram da mesma classe social, o pai de Afonso possuía também uma grande fazenda, mas ele sonhava com o Bacharelado. Sempre adiava os planos, mas jurou a si próprio que no ano que aproximava se mudaria para São Paulo onde cursaria Direito. Ao contrário de Santiago, que sempre se via como o futuro administrador das propriedades de seu pai.
           
           Era manhã de domingo. A missa estava quase no fim e Santiago quase cochilando, até receber um sacolejo vindo de seu lado.
            - Acorde! – era Afonso num murmúrio. – Fique de pé!
            - De novo?
            - Você nunca se levantou desde que a missa começou e já está acabando!
            - Eu consigo cantar sentado também!
            - Você é um herege! – falou com um sorriso de canto.
            Santiago se levantou quase ao mesmo tempo em que o amigo. Todos cantavam uma música enquanto seguiam pelo corredor entre os bancos para receberem a hóstia, os dois aguardavam a vez de penetrarem na fila também. Nada pareceu diferente até que ele girou o pescoço na direção das pessoas já próximas do altar. Seus olhos fixaram-se num desconhecido perfil. A bela moça eventualmente o olhou por mínimos segundos quando uma senhora às suas costas falou-lhe algo. Todo o delicado movimento daquela face incomparável foi acompanhado pelos olhos enamorados de Santiago. Ao terminar de ouvir o que a mulher dizia, ela tornou a virar-se à frente sem dar mais atenção a aquele admirador que a contemplava.
            - De onde saiu aquele anjo?!
             - Que coisa, Santiago! Só hoje você reparou nas estátuas do altar?
            - Não aqueles! Estou falando daquela moça atrás do senhor Almeida!
            - Ah, sim, ela... É nova aqui. Chegou há duas semanas. Estava no Sarau dos Antunes. Perdeu a chance de conhecê-la lá, já que você não foi...
            - Caro Afonso Dantas... Quero lhe comunicar que seu melhor amigo está apaixonado.
            - Isso é realmente novo! Sinceramente pensei que seu coração só servia para bombear sangue.
            - Assim que a missa terminar nós vamos lá para fora antes de todos, tenho que esperá-la sair.
            Antes mesmo do padre dá por terminada a missa, deixaram a igreja com esforço por causa da multidão trivial dos domingos. Não deram ouvidos aos murmúrios de seus pais os chamando. E no exterior do templo, os minutos se passavam até que enfim as pessoas começaram a sair.
            Santiago esticava o pescoço para tentar ficar acima de seus um metro e oitenta e cinco. Afonso fazia o mesmo, todavia não a viam. Giravam a cabeça de um lado para o outro sem sucesso. Nunca em sua vida Santiago sentiu-se tão ansioso e ao mesmo tempo frustrado. Mas a suposição de que ela poderia ainda estar dentro da igreja o animava a continuar procurando, e não hesitou em chamar o amigo para voltar lá e ir verificar.
            - Espere! – disse Afonso.
            Ambos param e Santiago olhou confuso para ele.
            - Ali naquela charrete. É ela!
            Santiago viu que se distanciava e nem parou para pensar antes de seguir o impulso de ir atrás dela. Correndo.
           Afonso tentou mover as pernas o quanto podia para acompanhá-lo, apesar de ainda assim seus passos serem mais lentos.
            - Como ela se chama? – perguntou ofegante.
            - Acho que é... Elisa! – gritou já um tanto afastado.
            A charrete que ficava cada vez mais longe. Mas, aflito, Santiago encheu-se com a esperança de que se a chamasse havia uma chance de ela parar e atender a um exausto desconhecido apaixonado...
            - Elisa! – bradou enfim.
            Ela ouviu e ficou muito confusa, mas só decidiu procurar quem a chamava após a segunda vez que escutou o seu nome. Ao inclinar a cabeça para o lado e fitar a estrada atrás de si, viu apenas um rapaz a alguns metros parando de correr e outro mais distante que parava também.
           - O que foi? – perguntou a tia que a acompanhava.          
           - Não há nada. Apenas dois rapazes brincando.
            - Ela olhou para mim! – disse Santiago arquejante, mas satisfeito.
            - Quanto progresso... Já dá pra pedi-la em casamento agora – disse Afonso se aproximando dele.
            - Não duvide que de minha coragem!
           - Nem conhece a menina, seu louco!
           - Conhecerei em breve. Sabe onde ela mora?
            - Sinto muito, não tenho essa informação.
            - E o que vou fazer para encontrá-la?
            - Bom... Esperar para saber se o destino está do seu lado – olhou para ele e percebeu seu desapontamento. – Vamos voltar. Nossos pais devem estar nos procurando.
            E foi assim a primeira vez que Santiago viu Elisa. Durante um mês suas idas à cidade foram assíduas, mas nunca mais a vira. Ninguém sabia informá-lo ao certo onde ela morava. Era como se ela tivesse passado de um mero devaneio.
           Depois desse tempo passado houve um baile e ele compareceu apenas para ter mais uma tentativa de encontrar o aparente fruto de sua imaginação. Afonso até lhe apresentou moças de diferentes belezas, que encantariam qualquer homem a procura de uma companhia, mas nelas ele não se interessou. O problema foi que a única a quem rendia todos os seus pensamentos não se fazia presente. Ficou até o fim, esperando que ela possivelmente chegasse, mas isso não acontecia. Tinha medo de sair e perder a oportunidade de ouvir sua voz.
            Voltou para sua casa novamente frustrado e indignado, contudo, a esperança de revê-la não acabava.
            Era uma sexta-feira quando a mãe de Santiago disse que iria fazer compras na cidade, então se prontificou em acompanhá-la. Apesar de ter estranhado, ela não fez objeção. Na verdade de agradou muito.
            O coche parou em frente a uma loja de roupas. A princípio ele permaneceu sentado no banco do carro, até que, ao lançar os olhos em direção a uma perfumaria do outro lado da rua viu Elisa acabando de entrar nela.
            Seu coração acusava seu desespero, precisava ir ao seu encontro, não poderia perder a chance que ansiava havia tempos. Deixou sua mãe a escolher os vestidos e desceu rapidamente do coche. Atravessou a rua imaginando o que diria, chegou a pensar em recitar uma poesia, afinal era um momento deveras especial! Tinha medo de falar algo que estragasse o apogeu dessa espera tão custosa. Sentia que tremia quando cruzou a porta da loja, pois ali estava o maior exemplo de formosura de costas para ele a sentir o aroma de um perfume. “Não existe um tão perfeito”. Ele pensou. Mas em todo caso, Santiago escolheu ao acaso qualquer um e se aproximou dela.
            - Se me permite – disse, o que a fez olhar para trás. Santiago por pouco não largou o frasco que segurava. Estava hipnotizado por seus olhos cor de esmeraldas. Encontrava-se tão maravilhado que já não se lembrava do que fazia ali.
            - O que ia dizer? – ela perguntou.                                                        Estremeceu-se ao ouvir sua voz. “Finalmente!”
            - O quê? – perguntou confuso.
            - O que dizia?
           - Oh!...É... O perfume! Acho que este... - calou-se, pois se viu novamente fascinado. — Tem olhos maravilhosos.
             Elisa sorriu constrangida.
             - Obrigada. Mas, e quanto ao perfume?
           - Este perfume é... Seus olhos são tão lindos que chegam a ser perturbadores... O que seus pais fizeram de tão especial para merecerem ter um anjo como filha?
           - Não seja exagerado... Nem me conhece para saber se tenho
critérios para comparar-me a um anjo. E já que tocou no assunto, herdei os olhos de meu pai.
   - Não há necessidade de mais provas, a maneira como conquistou-me me leva a crer que só pode ter sido de origem sobrenatural. E não duvido de que seus olhos caem melhor em você que em seu pai — disse com um sorriso de lado.
          - Não conhece o meu pai!
         - Sei que não me encantaria como me encantei pela filha dele.
Quer saber a verdade? Seus olhos existem para me fazerem escravo
deles.
            Ela o fitou cheio de pretensão.
            - Apenas deles?
            - Certamente que não. De até o último fio de seu cabelo.
            - Como se chama?
            - Santiago Marques.
            - É um grande prazer. Eu sou...
            - Elisa – disse interrompendo-a, pegando e beijando a mão que ela acabava de estender.
            - Como sabe?
            - Um amigo. Não sei se lembra, mas sou o pobre indigente que corria atrás de seu coche há alguns dias.
            Elisa ficou admirada ao recordar e se agradou por saber que era ele. Não precisou buscar no fundo de suas reminiscências por tal ocorrido. Algum motivo a impedia de esquecer aquela cena. 
            - Agora, se me permite dizer... Acabo de confirmar o que eu sentia de tão grande por ti – continuou Santiago.
            - Como sente algo por uma pessoa que mal conhece?
            - Meu coração me alertou que eu estava diante de alguém que mudaria a minha vida. E confesso senhorita Elisa, eu estou loucamente apaixonado por ti.
            Ela abriu um sorriso de contentamento. Pareceu disposta a tentar.
                                                    

                               ~~~~~~~~~~~~~~~~                
           

Quase um ano se passou após a primeira vez que se falaram, e o casamento de Elisa Santiago seria realizado em dois dias. Então Afonso voltou de São Paulo, onde estava finalmente estudando o curso que tanto almejava e conseguiu arrastar Santiago para comemorar seus últimos dias de solteiro. Embora, pelo respeito que tinha pelo amigo e por sua futura esposa não propôs encontrar-se com garotas ou se embriagarem nos bares da cidade. E sim terem um dia exclusivamente de amigos, apenas os dois... Pescando.
            A noite já estava chegando, e nenhum peixe fisgado. Falaram de diversos assuntos e ainda assim parecia que faltava muito a se dizer. Apesar disso havia também pequenos intervalos silenciosos em que refletiam e temiam jamais ter um momento como aquele novamente. Estavam cientes de que tinham que deixar o rio, mas não conseguiam, faltava algo que precisava ser reconfirmado para trazerem aos dois uma sensação de continuidade depois que seguissem com suas vidas...
           Quando Santiago ia abrir a boca para falar, Afonso se levantou para mudar de lugar e acabou perdendo o equilíbrio, caindo do barco. Quando nadava para emergir, deu com a cabeça no casco. O amigo sentiu a força da pancada debaixo dos pés e logo percebeu o que tinha acontecido.
           - Afonso?... - chamou com voz trêmula.
        Então viu uma mancha vermelha surgir na superfície. Alarmou-se e sem hesitar pulou no riacho.
           Como a água era um pouco turva só podia avistar o vulto de Afonso. Precisou de muito esforço para conseguir levá-lo para cima. Ao ter contato com o oxigênio ele voltou a si, tossindo, ainda um tanto desorientado, seu rosto ensanguentado.
           - Não solte! – disse Santiago fazendo-o segurar na lateral do barco enquanto ele subia.
Quando conseguiu, com dificuldade o ajudou a subir também. Ficaram deitados por alguns instantes, ofegantes.
            - Quer morrer antes de meu casamento, Afonso?!
            - Eu tropecei em alguma coisa...
           - Cuide-se, por favor! O que havia de ser de mim se algo acontecesse com você?!
           - Vai mesmo fazer uma declaração de amor agora?
            - Estou falando sério, Afonso! Se você morresse aqui como eu me casaria sem o meu padrinho?! Teria que adiar por tempo indeterminado!
            - Achava que o que importava para a realização de um casamento seriam os noivos.
             - Não estou brincando! Está bem? Deixe-me ver sua cabeça – disse se sentando e afastando os cabelos no alto da cabeça dele – Hm... Está sangrando... Mas o corte foi pequeno.
           - Está latejando...
           - Acho melhor irmos embora agora... – disse e fez uma pausa. – Mas, eu preciso saber daquilo antes... E então? Ainda está de pé?
            - Não, estou deitado – Afonso respondeu sorrido, apesar de tudo.
            - Não, cabeça dura! Falo da promessa que fizemos ontem. Ainda está de pé?
            - Promessa? Espere um minutinho, deixe-me tentar lembrar... Ah, sim... Claro! Não sou de voltar atrás. Está tudo confirmado, com toda certeza. Meu filho se casará com sua filha ou minha filha com o seu. Daqui mais algum tempo quem junta os trapos com uma mulher serei eu. Aí procriaremos e você e eu seremos mais que amigos! – disse passando a mão na cabeça.
           Santiago deu um longo suspiro.
           - É assim que vamos eternizar nossa amizade. Eu não consigo pensar na hipótese de não dar certo.
          - Bom... E se realmente não der certo? Se não tivermos filhos, ou no caso, um menino e uma menina?
           Santiago fez uma pausa, pensativo.
- Não seja pessimista! Tudo vai contribuir para que dê certo. Acredite nisso e pronto! A futura mãe de seus filhos você já achou.
             - Bela Fernanda eu arrumei.
             - É, bela Fernanda. Mas prefiro a minha Elisa.
             - Bela Elisa – disse e Santiago sorriu. – E Santiago... Eu também não me casaria se você não estivesse presente.
             - Vai mesmo fazer uma declaração de amor agora? – disse, fazendo Afonso rir. – Então... – estendeu-lhe uma das mãos. – Que a promessa seja realizada!
           Afonso o encarou, apertando sua mão.
             - Que a promessa seja realizada!